Bom Dia
Apesar do friozinho de logo cedo, o sol veio tímido nos aquecer. Chega de chuva, que a Primavera consiga florescer e que a cidade fique cada vez mais bela.
Posto hoje um Conto que escrevi no dia 16 de setembro de 2009. Foi publicado no suplemento cultural do Diário do Sudoeste chamado Almanaque, neste domingo, dia 27 de setembro. Esse texto também foi exposto no Varal Literário da Semana Acadêmica de Letras da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em maio deste ano. Na oportunidade também participai de uma comunicação sobre EAD (Educação a Distância), sendo a escolhida pela coordenação do curso para falar em nome de todos os estudasntes EAD do curso de Letras da UFSC.
Segue o conto. Boa leitura!!!
CONTO
O reencontro
Antes das 6h da manhã, Helena abriu a janela para sentir a brisa que vinha do mar. Havia se levantado cedinho, pois seus pensamentos não a deixaram dormir direito naquela noite. Tinha que tomar a decisão certa, porque seu futuro estava em jogo.
Debruçada na janela, o fresco vento outonal soprava os loiros cabelos de Helena, dando a ela a sensação de liberdade que tanto buscava. Da janela de madeira do segundo andar de uma simples pousada, Helena mirava o horizonte e acompanhava o balanço dos barcos pesqueiros que retornavam à praia.
O sol aparecia lentamente, como se estivesse se espreguiçando naquela manhã. Cada raio que intensificava sua luz e calor, assemelhava-se a longos e esguios braços de menina. Raios solares para cá e para lá, como se fossem fios de ouro a abraçar o universo. O horizonte dourado fazia par com o tom verde-água daquele mar. Era possível ver o sol refletido no belo par de olhos azuis de Helena.
Entre peixes e redes os pescadores começavam o dia. Após longo trabalho no mar, tinham ainda que ganhar o sustento na feira. Logo ali, ainda ao alcance dos olhos de Helena dezenas aguardavam os pescadores. Eram senhores, moçinhas, anciãos, todos rodeando os peixes e escolhendo o que aparentava ser o mais apetitoso aos seus olhos.
Pela animação que se via, por um momento Helena desejou estar entre eles. Na vila dos pescadores mesmo quem não pescava, comia peixe fresco diariamente. E todo dia era uma festa na hora da escolha. Principalmente quando por lá estava Zé Menino, um rapaz muito simpático e misterioso que sobrevivia como guia turístico, e de contar histórias de pescadores.
Filho de pai pescador, desde pequeno Zé Menino perambulava por aquela praia. Suas histórias de encantamento, tragédias marinhas e aventuras eram conhecidas nas redondezas. Os turistas se divertiam ouvindo Zé Menino, que dizia já ter visto de tudo na sua vida, de sereia a peixe de duas cabeças. Davam-lhe alguns trocados. O mar era sua inspiração e as histórias sua alegria. Mas há quem diga que de invenção não tinham nada.
Para observar mais de perto o vai e vem que se formara, Helena trocou a longa camisola por uma roupa confortável e desceu até a varanda acompanhada pelo seu diário. Sentada em uma cadeira de balanço, por volta das 8h, acompanhava de longe os passos e as conversas dos nativos daquela praia e, sem pressa, anotava tudo no discreto caderninho. Lá mesmo a moça da pousada serviu-lhe o café da manhã. Uma xícara de café com leite, pão de milho e suco de laranja, era o seu preferido. Nada de comida gordurosa, nem light demais. Apenas o que lhe parecia saboroso e que lhe dava sustância.
Os rabiscos no alfarrábio de Helena podiam ajudá-la a decidir, afinal tinha sua vida em jogo. Enquanto rascunhava, foi surpreendida por uma voz forte e doce ao mesmo tempo. Seus olhos não podiam acreditar no que viam. Zé Menino estava na sua frente, com aquele sorriso largo e simpático de quem não a via há muito tempo e que certamente já havia se acostumado com a idéia de nunca mais vê-la.
Foi um instante de silêncio e olhares fixos. Helena sorriu e levantou para abraçá-lo. Eram dois corações batendo acelerados. Ela perguntou o que ele havia feito todos esses anos e Zé Menino contou-lhe suas peripécias e narrou-lhe algumas de suas histórias. Mas quando a pergunta fatal foi disparada na sua direção, os olhos brilhantes de Helena por alguns segundos se apagaram. Estar de volta não era sinônimo de alegria e reencontro. Pelo contrário. Como dizer a verdade a Zé Menino? Sua ausência já não lhe era suficientemente dolorosa? Mas mentir lhe parecia insensato demais, mesmo que sua resposta acabasse por dilacerar de uma só vez o coração daquele rapaz.
Helena tentou mudar de assunto, temendo ter que dizer a verdade, mas Zé Menino percebeu a tentativa de fuga. Tinha pegado aquela bela mulher desprevenida, ao passar pela pousada e avistar seu rosto inconfundível. Mas já que estavam frente a frente queria saber toda a verdade. Helena explicou que sua partida repentina tinha a ver com o desejo de conhecer outros lugares, trabalhar, ter uma profissão, sair daquela realidade pesqueira que conhecia desde menina. Sabia que seria difícil, mas que o destino iria se encarregar de traze-la de volta, nem que fosse por algumas horas, afinal tinha deixado seu maior amor nessa praia.
Helena disse que não procurou Zé Menino logo que chegou ao vilarejo porque temeu sua reação, mas que se até sua partida ainda lhe faltasse coragem, as respostas para todas as perguntas estariam anotadas naquele diário, que seria entregue ao rapaz.
A bela loira dos olhos azuis convidou Zé Menino à sentar-se. E com o coração apertado explicou que tinha uma decisão importante a tomar. Disse que amava aquele lugar, mesmo sendo uma praia simples de pescadores cujo cheiro não haveria de esquecer jamais. Por isso, desejou estar lá mais uma vez.
Há algum tempo Helena havia descoberto uma doença rara que lhe estava consumindo por dentro. As chances de viver por mais tempo eram poucas, mas existia a possibilidade de uma cirurgia. No entanto, nenhum médico lhe garantiu sucesso. O destino era incerto: 50% apostado na vida e a outra metade disputada pela morte.
Helena tinha que se decidir e foi buscar sabedoria nas lembranças daquela praia. Mar verde, brisa fresca de outono, pessoas simples que tiravam o sustento das águas e viviam pacificamente naquela vila de pescadores.
Várias lágrimas rolaram sobre a face de Zé Menino enquanto ouvia a história. Quando achava que havia reencontrado seu amor maior, soube que o estaria perdendo de vez para o destino. Acostumado a contar histórias e a fazer zombarias com os outros, foi justamente uma história de amor que o destruíra.
Alguns minutos de conversa e a hora da despedida se aproximava. O carro que vinha buscar Helena já havia chegado e ela não podia se atrasar. Helena subiu ao quarto e recolheu seus poucos pertences, afinal dois dias de viagem não carecia de muito conforto. Ela olhou novamente pela janela e sentiu a brisa e o perfume que vinha da praia. Viu, pelo adiantado da hora, o movimento dos banhistas. Espantou-se. A vista daquela janela revelara segredos que nem mesmo Helena podia supor.
A despedida foi triste, levando o mundo a crer que seria a última. Sem muitos rodeios, apenas um forte abraço e palavras de boa sorte. Zé Menino ainda tentou faze-la desistir da partida, mas ela já sabia o que deveria ser feito. Helena beijou sua face e foi embora. Daquele dia em diante Zé Menino nunca mais viu sua mãe.